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A comerciante Laine Sousa demorou dois anos para baixar de 137 quilos a 71, por meio de uma rotina de atividade física e uma dieta na qual passava vontade, mas não fome. A disciplina necessária para essa jornada, no entanto, não veio da noite para o dia

O corpo da comerciante Laine Sousa, de Campo Grande (MS), começou a mudar aos 23 anos, durante a segunda gravidez, de gêmeas. Dali em diante, foram anos de tentativas frustradas para perder peso. Sousa chegou a 137 quilos quando começou o processo de emagrecimento, sem remédio nem cirurgia bariátrica, que a levou ao peso desejado: 71 quilos.

A segunda gestação não foi fácil. Tive que tomar hormônios para segurar as bebês e fazer repouso total a partir do segundo mês”, diz ela, hoje com 35 anos. Seu peso subiu de 80 para 120 quilos — distribuídos em 1,72 m — e, depois do parto, não caiu como ela gostaria.

Tentativas para emagrecer

Sousa se assustou com a própria aparência ao ver as fotos do primeiro aniversário das filhas. Decidida a emagrecer, ingressou numa jornada de 9 anos em que tentou vários caminhos infrutíferos.

Tentei jejum intermitente, dieta low carb, detox e todas as fórmulas mágicas, suplementos milagrosos e remédios naturais que eu lia a respeito. Tomei sibutramina por conta própria e passei mal. Procurei nutricionista, médico, nutrólogo e personal trainer. O roteiro era sempre o mesmo: eu perdia um pouco de peso, mas não conseguia sustentar o padrão e logo ganhava tudo de novo”, relembra ela.

A comerciante tinha receio de se sentar em cadeiras — e quebrá-las —, chorava nos provadores das lojas por não encontrar roupa do seu tamanho e deixou de acompanhar o marido em eventos sociais, por vergonha da sua forma.

O desespero aumentou na pandemia da Covid-19. Por ser grupo de risco, Sousa isolou-se socialmente ainda mais e viu sua compulsão alimentar se agravar. O peso, que até então oscilava entre 116 e 125 quilos, chegou a 137. A comerciante ouviu de um médico que precisava eliminar 50 quilos e que isso só seria possível por meio de cirurgia bariátrica. A operação, no entanto, não estava nos seus planos.

Chegou uma hora que eu não aguentei mais. A vida estava passando e eu não vivia. Eu, que sempre fui vaidosa, não tinha mais vaidade nenhuma, a ponto de não passar creme no corpo. Eu estava tão insatisfeita com a minha aparência, que passava na frente do espelho e não olhava o reflexo ou, se olhava, chorava.”— Laine Sousa, comerciante

Jornada para mudar de hábitos

Em abril de 2022, Sousa mandou uma mensagem para um personal trainer e pediu um horário para começar uma rotina diária de exercícios a partir da segunda-feira seguinte. Não era a primeira vez que ela recorria a esse profissional. A diferença, desta vez, é que ela não parou mais de fazer atividade física.

Em paralelo, a comerciante procurou uma nutricionista com um pedido que ela não havia feito antes a ninguém:

Eu quero aprender a comer”. Sousa recebeu uma dieta de 1.200 calorias por dia, composta por alimentos que gosta, como arroz, feijão, carne e pão francês. Ela não passava fome, só não comia na quantidade que gostaria.

Nos primeiros 9 meses, a moradora de Campo Grande teve dificuldade para controlar a compulsão alimentar, sobretudo nos finais de semana. As concessões dos sábados e domingos invadiram os dias úteis, em uma recaída que durou três meses e levou ao reganho de 10 quilos.

Assustada, Sousa retornou ao consultório da mesma nutricionista. Esse gesto foi diferente das tentativas anteriores de emagrecer, nas quais ela trocava de profissional, por vergonha de não ter seguido o plano.

Naquele momento, eu entendi que compulsão alimentar não tem cura. Existem pessoas que conseguem comer um docinho diariamente. Eu não consigo. Tenho obesidade e preciso me vigiar para o resto da vida”, afirma.

Outro gesto importante foi ser mais tolerante com os erros. Nos nove anos anteriores ela desistia do regime quando, por alguns dias, não conseguia fazer a dieta.

Todo mundo diz que quer ter a minha força de vontade. Eu explico que demorei nove meses pra alcançar a disciplina que tenho hoje”, esclarece.

Por fim, a comerciante acredita que seu trunfo foi não ter desistido de praticar exercícios, mesmo quando a dieta desandava. Para ela, a atividade física virou uma fonte para descontar a ansiedade de não poder comer o tanto que desejava.

 Eu ia todos os dias à academia. Na força do ódio, mas ia”, diz.

A perda de peso foi de 2 a 3 quilos por mês, até os ponteiros da balança chegarem a marcar 71 quilos. Quando alcançou o peso que queria, Sousa fez uma plástica para retirar o excesso de pele na barriga e nos braços. Atualmente, ela está com 73 quilos e buscando ganhar massa muscular.

Eu sou uma pessoa obesa num corpo magro. Nos dias em que estou mais estressada, tenho vontade de comer doce. E eu sei que, se pegar um pedaço, vou descontar a minha raiva ali, então eu nem começo.” — Laine Sousa, comerciante

História de exceção

Relatos como o de Sousa são exceção em se tratando de obesidade. “A maioria dos resultados positivos são de perdas de 5 a 10% do peso corporal”, informa o endocrinologista Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).

Quem perde mais do que isso tende a reganhar o peso eliminado. O motivo é que o nosso organismo tem dispositivos hormonais responsáveis por controlar a fome, a saciedade e o gasto energético. Quando perdemos peso continuamente, o corpo sofre adaptações metabólicas que aumentam o apetite e reduzem o consumo de calorias, tanto em repouso quanto durante atividade física, como forma de preservar a estabilidade.

Há 3 anos, a Sbem e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) sugeriram uma nova maneira de classificar a obesidade. A partir do maior peso que a pessoa teve na vida, calcula-se a perda obtida e, então, determina-se que a obesidade está reduzida ou controlada.

Nesse raciocínio, a comerciante do Mato Grosso está correta quando diz que, mesmo magra, continua a se considerar obesa.

Ela chegou a esse controle a partir de mudanças intensivas do hábito de vida, o que é grande mérito dela. Mas a vigilância e a atenção para que ela siga no caminho que a levou ao sucesso terapêutico vai determinar realmente a manutenção desse sucesso”, aponta o endocrinologista.

A obesidade é uma doença complexa que tem vias de tratamento diferentes. Deve ser tratada por uma equipe multidisciplinar que reúne médico, nutricionista, educador físico, fisioterapeuta e psicólogo.

O caminho que trouxe o sucesso para um não necessariamente vai ser o melhor para todas as pessoas. A mensagem principal é que o tratamento é resultado de uma sequência de decisões e aprendizados, e não de uma decisão única”, diz Miranda.

 Marie Claire

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