Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual do Ceará (Uece) revelou que o canabidiol (CBD) tem efeitos positivos, mas limitados no tratamento de sintomas do Transtorno do Espectro Autista (TEA). A substância oferece benefícios pontuais no controle do comportamento disruptivo, na agitação e na ansiedade de crianças e adolescentes autistas. Porém, esses desfechos são resultados de metodologias frágeis e de pouca evidência.
A pesquisa se baseou em uma análise qualitativa dos estudos clínicos existentes, com objetivo de mapear as evidências disponíveis na literatura sobre a eficácia, tolerabilidade e efetividade do canabidiol (CBD) como tratamento para TEA. É o que explica o professor do Departamento de Medicina da Uece e coordenador do estudo, Gislei Aragão, ao Diário do Nordeste.
Os estudos mostram que a cannabis serve para uma quantidade limitada de desfechos, especialmente para o comportamento disruptivo. A substância deve ser usada particularmente para casos específicos de crianças com autismo que não respondam a medicações convencionais”, explica.
O CBD foi considerado seguro quando utilizada em um período curto de tempo. A maioria das pesquisas analisadas possuem o espaço de 6 meses a um ano de uso. Os efeitos adversos apresentados são distúrbios do sono, irritabilidade e perda de apetite. Ou seja, são reações leves, segundo o pesquisador.
Contudo, a pesquisa reforça que é preciso ampliar e aprimorar os estudos científicos, com evidências mais significativas. A maioria dos objetos analisados possuem 'baixa qualidade' como “não usam um grupo controle, o tamanho da amostra é pequeno e a faixa etária é muito ampla”.
Precisamos de mais estudos com mais rigor metodológico, com amostras maiores e com tempo maior de acompanhamento para podermos detectar outros efeitos que os estudos de menor valor encontraram”, explica.
Efeitos positivos
O sintoma do autismo em que o canabidiol apresenta maior eficácia é o do comportamento disruptivo, que diz respeito a padrões de conduta como desobediência, agressividade, irritabilidade e dificuldade em seguir regras que costumam aparecer como resposta a frustrações ou sobrecarga sensorial. “Isso é muito importante porque se você melhora esse comportamento já dá uma tranquilidade interessante”, considera.
Em seguida, os desfechos significantes encontrados foram:
comportamento social;
agitação psicomotora;
ansiedade.
66 mil crianças e adolescentes possuem diagnóstico de autismo no Ceará, segundo dados do Censo do IBGE de 2022.
A busca de pais, mães e responsáveis por uma solução rápida e precisa para os sintomas do autismo nos filhos pode levar a decisões influenciadas por redes sociais, sem embasamento científico.
A gente sabe que esses pais precisam de algo para hoje, para agora. Eles não querem e não podem esperar. Os estudos clínicos levam 2 a 3 anos para serem realizados e os resultados demoram muito para serem publicados. Como eles vão esperar 3 anos se precisam de algo para ontem?”
Por isso, Gislei reforça que, no tratamento para TEA, as medidas não farmacológicas são as melhores a serem adotadas.
As intervenções interdisciplinares com psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas são mais eficientes do que as terapias farmacológicas”, diz.
Substâncias associadas e dose ideal
Outro resultado foi que, além de ter o canabidiol, outros componentes da Cannabis Sativa, a planta da maconha, são necessários para o tratamento do autismo, como o tetraidrocanabinol (THC). No Brasil, o limite permitido para a dose de THC é de 0,2% de concentração.
Os estudos mostram que é necessário ter uma concentração baixa de THC para melhorar o efeito da cannabis (...) Sozinho, o canabidiol puro parece não ser tão efetivo quanto quando é usado com outros integrantes da planta”, explica Aragão.
Em relação às doses aplicadas em crianças e adolescentes, o professor orienta que os médicos devem ajustar o medicamento até achar a quantidade adequada para o paciente. Aragão acrescenta que as porções mais baixas podem ter efeitos melhores do que as doses mais altas.
“A decisão do uso da cannabis deve ser individualizada, caso a caso, compartilhada com a família. O médico deve explicar os níveis de evidência e o perfil de risco benefício. A cannabis não é a primeira escolha para o autismo, ela é usada somente em casos específicos”, Gislei Aragão, professor do Departamento de Medicina da Uece e coordenador do estudo.
Início e financiamento da pesquisa
Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de produtos à base de cannabis para fins medicinais. O CBD é a substância canabinoide presente na folha da Cannabis Sativa, a planta da maconha, e que não causa efeitos psicoativos ou dependência.
A substância começou a ser usada de forma medicinal para tratar esclerose múltipla, dores neuropáticas, mal de Parkinson, epilepsia e outros. Um dos motivos que levaram a relação com o autismo se deu pela utilização do CBD em casos de epilepsia refratária — quando as crises não são controladas por medicamentos anticonvulsivantes.
Essa comorbidade é presente em algumas crianças com TEA.
Então, quando se tratava a doença e a criança tinha autismo, elas apresentavam algum nível de melhora e ficavam menos ansiosas. Não se sabia se é porque a epilepsia tinha sido controlada ou se era pelo canabidiol. Isso chamou a atenção de pais de autistas que ficaram interessados em usar a substância também”, explica o professor.
Partindo disso, diversos relatos pessoais sobre o uso da cannabis começaram a aparecer nas redes sociais, assim como estudos sobre o assunto. Por isso, os estudiosos da Uece resolveram analisar as pesquisas científicas já publicadas no mundo.
A pesquisa foi selecionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e contou com financiamento da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, do Ministério da Saúde (Decit/SECTICS/MS).
Os responsáveis são os professores da Uece Gislei Frota Aragão, Carla Barbosa Brandão, Valter Cordeiro Barbosa Filho, Paulo Sávio Fontenele Magalhães e Cidianna Emanuelly Melo do Nascimento; e a pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kelly Rose Tavares Neves; com a colaboração dos membros do Laboratório e Grupo de Estudo em Neuroinflamação e Neurotoxicologia (Lanit/Genit/Uece), Iara Vasconcelos, Madna Freitas, Renê Freitas, Quezia Jones, Maria Helena Pitombeira e Ruth Maria Moraes.
Para Aragão, a mensagem que o estudo deixa para os pais e responsáveis de crianças com TEA é que a decisão pelo uso da cannabis parte de cada família e deve ser ponderada a partir de informações verdadeiras e de profissionais.
Se existe uma família interessada em usar o canabidiol, ela precisa ser bem acolhida por uma profissional, ser devidamente informada e procurar fontes confiáveis. Não se basear por influencers e redes sociais, mas buscar fontes governamentais, de sociedades médicas e científicas”, conclui.
Diário do Nordeste