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Pouco importa a sigla ou bandeira, a turma da política abraçou o ritmo desta lambada nas ruas. Falamos com o cantor Nilvado Marques, um dos nomes à frente desse sucesso, que manda recado aos candidatos: "Lutem pelo povo, não lutem só pra si".

Fortaleza. Estúdios da TV Diário. Tony Nunes comanda as gravações do Forró Bodó. Sucesso da grade, o programa é reconhecido pelo espaço a novos artistas e por projetar o forró a todo o País. Vale destacar, aquele palco também acolhe ritmos outros do Nordeste. É dia também de lambada.

Nos bastidores, o produtor Betinho é só atenção aos detalhes. Checa passagem de som, horário e o vai e vem das atrações convidadas... "O homem já era para ter chegado", dá duas batidas com o indicador na tela do relógio. O homem em questão responde pelo sucesso "Tem Cabaré Essa Noite".

É a primeira visita à capital cearense de Nivaldo Marques. O baiano de Nazaré das Farinhas testemunha a realização de um sonho. A música caiu no gosto do povo, ganhou voo com a velocidade das redes e assumiu o posto de hit das eleições 2022. O som anda estourado nos comitês e caixas de som ligadas por apoiadores das campanhas.

E o Rey do Lambadão adentra o cenário do Forró Bodó. Um rápido teste no microfone, tudo ok com áudio e posição na frente das câmeras. A dançarina Patty Charlotte prepara a coreografia e Tony Nunes anuncia a chegada da fera. "Ele é o dono do maior sucesso no Brasil. Solta!".

A origem de "Tem Cabaré Essa Noite" remonta a terras bem distantes do Nordeste. Nasce da "bachata", o ritmo musical da República Dominicana, vira pop certeiro nos EUA, ganha versão brasileira em Goiânia e segue hoje deitando no lambadão.

De mil políticos, de jingle, 999 já gravaram. Ou até mil mesmo. Eu gravei lá no meu estado uns 15, já. Governador, deputado, senador... O pau tá quebrando com 'Tem Cabaré Essa Noite', conta o baiano minutos depois. O homem tem pressa e dali pegará o rumo de Caucaia, Região Metropolitana da capital. Para debater a relevância dos jingles na estratégia eleitoral, também ouvimos dois profissionais do marketing político. Solta!

SUCESSO NA POLÍTICA

Nivaldo Marques chegou a refletir se o termo cabaré não seria muito "pesado" e pegasse mal com as casas de show. Pelo contrário, gradualmente, a lambada trilhou estrada própria. O estouro acontece quando o baiano realiza um feat com o cantor cearense Nattan.

O convidado acrescentou ao refrão um "Ui Ai" e conferiu outro charme à letra. Resultado, a canção virou febre no São João 2022. Wallas Arrais, outro nome musical do Ceará fez sua versão do hit. No entanto, o trabalho foi retirado dos aplicativos de música.

Infelizmente, uma covardia imensa", declarou Arrais na ocasião. 

É ano de eleição e a sonzeira caiu nas graças do público. Em chão cearense é comum ouvir apoiadores dos candidatos ao governo estadual entoando paródias da faixa.

Os políticos que querem ganhar política tem que entrar na onda do cabaré, senão o pessoal não vai também", atesta Nivaldo.

Publicitário, com participação em 19 campanhas majoritárias (de 1985 a 2020), Ricardo Alcântara avalia que o bom jingle é aquele que passa o conceito estratégico do candidato e fixa bem os principais atributos pessoais ou fatores positivos da campanha. A melodia, no que lhe concerne, ajuda na memorização da mensagem e envolvimento emocional dos eleitores e empatia deles com o candidato.

Não há receita pronta, avisa. Alguns duram apenas o período de campanha e caem no esquecimento. "Raros são os que permanecem e acompanham o político para além do episódio eleitoral", descreve. Assim, "Tem Cabaré Essa Noite" segue aquecendo o coração dos eleitores no corpo a corpo das ruas.

A interatividade das redes sociais e a facilidade de produzir material em apps permitem que os próprios eleitores mais ativos participem da construção narrativa da campanha, se expressando sob a ótica do eleitor de maneira diversificada e fora do controle das estruturas de marketing", completa Ricardo Alcântara.

Consultor em Marketing Político, Abel Lumer resgata que a melhor definição de um bom jingle veio de Duda Mendonça (1944-2021).

Ele tem que chegar ao coração, sem passar pelo cérebro. Como o voto é uma decisão 100% emocional, racionalizada apenas após ser tomada, é esse o cerne da comunicação política".

Lumer destaca a possibilidade de "Tem Cabaré Essa Noite" repetir o fenômeno ocorrido nas eleições de 2020. Naquele ano, um jingle genérico em ritmo de pisadinha batizado de  “O Homem Disparou” foi a moda musical do pleito.

"Serve para divertir, mobilizar os convertidos, mas fere um princípio básico na luta pela conquista do eleitor que é a diferenciação. Quando todo mundo usa a mesma música, o eleitor não a conecta a ninguém em particular. Ou seja, efeito eleitoral zero" Abel Lumer, Consultor em Marketing Político

A respeito da comunicação partidária por meio das redes sociais, o profissional avalia ser um processo irreversível.

O desafio, também nas redes, é trabalhar bem, de forma criativa e original em um ambiente onde o recurso escasso não é o dinheiro, nem o tempo, mas, sim, a atenção de quem, de fato, decide uma eleição", argumenta.

DA BALADA AO CABARÉ

Estamos em 2018 e Flavinho do Kadet cria a versão em português para "Te Robaré". Êxito na voz de Prince Royce, cantor ianque de pais dominicanos, a composição condensa ritmos da América Central em uma balada romântica. Na letra, o cidadão explica que os pais da gata não o aceitam em casa. Sem aguentar a barra da saudade, o cara solta o meloso refrão: "Te robaré esta noche" ("Te roubarei esta noite"). Tem quem ache lindo.

Para adequar a composição ao ritmo do arrocha, Flavinho do Kadet tomou algumas licenças. Na versão brazuka, o protagonista também reclama da falta de apoio dos pais da menina. Porém, nada de sequestro na madrugada. Aqui, o cidadão se assume solteiro, diz que vai meter o "loko" e que a noitada terminará na zona.

A dupla Guto e Flavinho gravou a versão, porém, a faixa não emplacou como o esperado. É quando Nivaldo Marques escuta e resolve investir no material, dessa vez evocando o swing quente da lambada. Veio a pandemia da Covid-19 e o brilho de "Tem Cabaré Essa Noite" precisou esperar um pouco mais.

A lambada, ela nunca foi morta, a lambada foi esquecida. E aí quando eu voltei com a lambada, ela vinha flutuando devagarinho. Bateu a pandemia e ela se escondeu de novo. Na reabertura dos eventos falei pra mim, 'agora vai ter que ir com tudo". "E aí eu peguei essa canetada abençoada que foi 'Tem Cabaré Essa Noite'.

RECADO AOS CANDIDATOS

Nivaldo Marques foi agricultor, motoboy, trabalhou em bares e tocou em bandas, muitas vezes sem receber cachê. Agora, o filho ilustre de Nazaré das Farinhas percorre uma jornada mais feliz com a arte que escolheu defender. A apresentação no Forró Bodó termina. Shows em Fortaleza devem acontecer ainda no segundo semestre de 2022. 

Ô políticos, aqui falando para todos os brasileiros, que lute pelo povo, não lute só pra si. Não todo mundo, mas tem alguns políticos que antes da eleição diz que vai fazer, vai acontecer, depois que ganha é cada qual por si. Então, é olhar para o povo brasileiro, que é um povo sofrido e aguerrido também. Somos um povo de guerra. A prova disso é Nivaldo Marques"

A entrevista é encerrada. O cantor pergunta se a conversa rendeu e tudo ficou nos conformes.

Tudo pronto, Nivaldo!", respondo. O Rey do Baladão se levanta, ajeita o cordão prateado e a blusa dourada cintilante. Antes de sair para outra missão dispara: "Tem cabaré essa noite. Vamo simbora".

Zoeira/DN

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